Mudanças climáticas: a agenda de adaptação climática como prioritária para os países subdesenvolvidos
As emissões de gases de efeito estufa aumentaram desde a era pré-industrial, impulsionadas em grande parte pelos combustíveis fósseis. Isso levou a uma atmosfera com concentrações esféricas de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso sem precedentes nos últimos 800.000 anos (IPCC, 2014). As emissões globais aumentaram em 53% desde 1990. As concentrações atmosféricas anuais de CO2 dispararam nas últimas décadas e atingiram um recorde de 416,45 partes por milhão em 2021 (IPCC, 2021). Projeções do IPCC indicam a manutenção dessa tendência, decorrente fundamentalmente do rápido desenvolvimento das economias emergentes. Dentre essas economias destaca-se a China, que emite cerca de 27% do dióxido de carbono global e um terço dos gases de efeito estufa do mundo (WORLD BANK, 2020), sendo o setor energético (carvão), o principal responsável (WEI, 2022).
As quantidades históricas de gases de efeito de estufa emitidas pelos países desenvolvidos e os atualmente emitidos, fundamentalmente pelos países em desenvolvimento (G20, principalmente) vem impactando negativamente na mudança do clima. Decorrente dessas alterações (antropogênicas), registra-se historicamente uma tendência de massificação de eventos climáticos cada vez mais extremos e regulares. Entretanto, grande parte dessas emissões que resulta na mudança climática é causada pelos países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento. Os países subdesenvolvidos participam marginalmente no mercado global das emissões, decorrente do seu parque industrial ainda subdesenvolvido. Por exemplo, África Subsaariana participa com cerca de 4% das emissões (WORLD ENERGY COUNCIL, 2017). Ou seja, a grande maioria da população mundial (pobre) não participa da sociedade de consumo global, essa maioria (POBRE) contribui com praticamente nada para os problemas ecológicos globais. Contrariamente, essa maioria pobre vem sofrendo as piores consequências da mudança climática (MARTINE; ALVES, 2015). Os efeitos da mudança climática poderão tornar os objetivos de desenvolvimento sustentável, como segurança alimentar e de meios de subsistência, redução da pobreza, saúde e acesso à água potável mais difíceis de alcançar (IPCC, 2014).
Importa ainda referir que os países subdesenvolvidos com particular destaque aos países da África Subsaariana sofrem do fenômeno de dupla exposição (O´BRIEN, KAREN, ROBIN M, 2008): stressores climáticos e não climáticos. Os stressores não climáticos nesse grupo de países são caracterizados fundamentalmente por precários indicadores de desenvolvimento socioeconômico e desafios de governança. Diante das projeções da intensificação dos eventos climáticos, esses países deverão investir estruturalmente no melhoramento dos indicadores dos seus stressores não climáticos, em vista a fortalecer a sua capacidade adaptativa em períodos pós-eventos climáticos, reduzindo desta forma os níveis de vulnerabilidade climática. A capacidade adaptativa segundo o IPCC, (2001), desdobra-se em 9 fatores que condicionam uma determinada região em refazer-se depois de um evento climático, nomeadamente: riqueza, tecnologia, informação, habilidades, infraestrutura, instituições, patrimônio, empoderamento e capacidade de distribuir riscos. A dupla exposição dos países subdesenvolvidos os torna bastante vulneráveis aos eventos climáticos, apesar da sua residual participação no mercado global de emissões.
Diante desse cenário, sugere-se aos países subdesenvolvidos um forte investimento na agenda de adaptação climática em vista a fortalecer a sua resiliência aos desastres naturais que tendem a intensificar e extremar-se anualmente. Entretanto, a agenda de adaptação climática nesse grupo de países está ameaçada devido a mudança no uso da terra (GLOBAL FOREST WATCH, 2021) para a urbanização, agricultura, queimadas, extração da madeira e do carvão vegetal. A agricultura de sequeiro constitui o maior responsável pela mudança do uso da terra na região da África Subsaariana (FAO, 2018). A mudança de uso da terra contribui para a degradação dos solos e diminuição da capacidade do sequestro de carbono (MEHAFFY, M.W.; SALINGAROS, 2015). A degradação das florestas debilita a capacidade dos solos em reter água em períodos chuvosos, resultando em inundações, principalmente a nível das áreas urbanas. Outrossim, a desflorestação reduz a capacidade de sequestro de carbono, contribuindo para a emergência de microclimas tendencialmente quentes, que é condição propícia para a incubação e aceleração de eventos climáticos de rápida (ciclones, inundações, cheias, etc.) e lenta (seca) progressão. Como alternativa a uma agricultura de sequeiro degradador de solos, sugere-se uma agricultura de conservação que procura manter ou melhorar a fertilidade do solo, de forma que as gerações futuras possam obter produtividades iguais ou superiores às que se obtinham no modo convencional, recuperando a fertilidade do solo através da melhoria das suas características físicas (manutenção ou melhoria da estrutura), químicas (elevação do teor de matéria orgânica) e biológicas (criação e manutenção de condições favoráveis para os organismos do solo), (BARROS; FREIXIAL, 2011). Portanto, a restauração ecológica de áreas degradadas é fundamental no processo de adaptação baseada em ecossistemas ou soluções baseadas na natureza.
Outra dimensão de análise, ainda dentro da agenda de adaptação climática, reside no impacto das mudanças climáticas no setor primário (agricultura, pesca e pecuária). Grande parte da população em países subdesenvolvidos encontra-se vinculada a este setor. Por exemplo, a nível da África Subsaariana, 60% da população é constituída por pequenos agricultores (FAO, 2017, 2021). A agricultura é também a atividade económica mais importante para mais de 70% dos pobres do continente que vivem em zonas rurais (OECD-FAO, 2016). Ainda nessa região, entre 6 e 9 milhões de pessoas trabalham nas pescas, isto inclui o processamento e o comércio de pescado. Em alguns países da África Ocidental, mais de 10% da população depende da pesca para a sua subsistência, (MURINGAI; MAFONGOYA; LOTTERING, 2022). No geral, a pesca representa mais de 20% do abastecimento de proteína animal em cerca de 20 países africanos, (MURINGAI; MAFONGOYA; LOTTERING, 2022). Entretanto, o setor primário tem sido duramente afetado pelas mudanças climáticas de diferentes formas, com particular destaque através das inundações, secas, ondas de calor, temperaturas extremas, etc. As frequentes irregularidades na queda de precipitação do tempo e no espaço tem impactado negativamente na redução dos níveis de produção e produtividade agrícola. A tendência do aquecimento dos oceanos tem resultado no fenômeno do embranquecimento dos corais, importante fonte para a reprodução da biodiversidade marinha. Por via disso, o aquecimento dos oceanos impacta na redução dos níveis de produção e produtividade pesqueira.
Diante desse cenário complexo de mudanças climáticas é importante que os governos desenvolvam políticas e estratégias que contribuam para uma transição gradual da população do setor primário (fortemente exposto aos choques climáticos) para os outros setores, como o secundário e terciário (relativamente menos expostos). Manter uma proporção significativa da população no setor primário é condená-la à pobreza. O setor primário, tal como decorre em alguns países desenvolvidos, deve demandar mais tecnologia ecológica e inovativa e empregar menor percentual da população.
Por último, a agenda de adaptação climática em países subdesenvolvidos deve ser complementada pela agenda da justiça climática, através do fundo de perda e danos (US$ 100 bilhões anuais) aprovado na COP 27, realizada no Egito, no qual os países desenvolvidos (principais emissores), se comprometem a compensar aos países pobres pelos danos causados por desastres naturais, decorrente das duas emissões históricas e atuais. Entretanto, o cumprimento integral da agenda de justiça climática pode estar comprometida com ascensão de governos negacionistas relativamente às mudanças climáticas, que tendencialmente são de extrema direita. Espero que a 29a COP em realização em Baku (capital do Azerbaijão), traga avanços significativos em relação a financiamento de países emergentes e subdesenvolvidos por países desenvolvidos para que possam enfrentar os impactos das mudanças climáticas de forma sustentável.
Artigo escrito por:
Tomás de Azevedo Júlio, PhD Candidate
E-mail: tomasdeazevedojulio@gmail.com