
CUIDAR COMO ELA: O CONVITE DE JANE GOODALL PARA PROTEGER O PLANETA

Em todos os cantos do planeta, Jane Goodall construiu pontes invisíveis entre ciência, compaixão e acção, tendo deixado não apenas um legado intacto, mas um chamado vibrante para continuarmos lutando, cuidando e acreditando em melhorias ambientais, como também humanas. Ela transformou o modo como vemos os chimpanzés, sim, mas sobretudo mudou a maneira como nos vemos a nós mesmos em relação aos outros seres vivos, e esse é um dos seus maiores presentes.
Desde que começou seus estudos em Gombe, na Tanzânia, na década de 1960, Jane mostrou que os chimpanzés têm personalidades, relações complexas, capacidade de usar ferramentas, de inovar, de se adaptar, comportamentos que até então muitos acreditavam serem exclusivamente humanos. Ela não fez isso apenas para registrar, mas para humanizar o conhecimento científico, para mostrar que não estávamos acima da natureza, mas dentro dela, conectados, responsáveis, fracos se ignorantes e poderosos se conscientes. Essa mudança de perspectiva abriu portas para que outros cientistas, activistas, comunidades inteiras, especialmente nos países em desenvolvimento, como é o nosso caso (Moçambique), entendessem que cuidar dos habitats, proteger espécies silvestres, restaurar ecossistemas e promover educação ambiental não são luxos de ideólogos, mas caminhos urgentes para nossa própria sobrevivência. Gosto de escutar o Professor Carlos Serra quando constantemente diz “nada se perde no meio ambiente”.

O Instituto Jane Goodall e o programa Roots & Shoots (“Raízes & Brotos”) materializam esse legado. Desde 1991, jovens de diversas partes do mundo foram inspirados a identificar problemas locais, degradação ambiental, poluição, perda de biodiversidade e a agir para mitigar esses impactos. Nascido como uma iniciativa de adolescentes tanzanianos, esse programa cresceu, espalhando-se para dezenas de países, mobilizando milhões de pessoas, colaborando com escolas, comunidades e lideranças locais.
Jane sempre manteve uma clareza moral combinada a uma esperança activa. Ela sabia que enfrentávamos crises, desde destruição de habitats, caça ilegal, mudanças climáticas, erosão de solos, poluição, injustiças ambientais que atingem primeiro quem mais depende da natureza. Mas nunca deixou que o tamanho dos problemas paralisasse o desejo de agir. Mesmo quando alertava para os prazos limitados que o planeta nos dá, ao afirmar que “não temos muito tempo para começar a ajudar o meio ambiente”, sua confiança era na acção colectiva, nas pequenas mudanças acumuladas, nos gestos de empatia.

Jane Goodall nos ensinou que proteger a natureza é questão de escuta, respeito e humildade. Ela mostrou que iniciativas que envolvem comunidades locais, que valorizam o saber e as necessidades humanas como parte do todo, têm muito mais chance de sucesso. Ela sublinhava que, se não ajudarmos as pessoas que vivem junto ou da natureza, não salvaremos as espécies. Essa visão integrada, de seres humanos inseridos em sistemas vivos, foi um diferencial essencial de sua vida.
Neste momento de celebração de sua obra, o que se pode comprometer é manter viva essa chama, transformar admiração em acção concreta. Se quisermos honrar Jane Goodall (que partiu, mas deixou legados) de verdade, precisamos levar adiante três grandes tarefas: continuar aprendendo com a natureza, exigindo políticas públicas que protejam ecossistemas e promovam justiça ambiental; inspirar e apoiar jovens para que se tornem agentes de mudança, permitindo que façam, cada um em seu contexto, aquilo que podem; assim como fortalecer redes de colaboração científicas, comunitárias, educacionais que ultrapassem fronteiras geográficas e culturais, pois o meio ambiente não reconhece limites humanos, mas sofre com nossos descuidos.

A responsabilidade agora é de cada um. Nas escolas, nas florestas, nas cidades, nas nossas escolhas de consumo, nas conversas que inspiram outros a agir. Que cada árvore plantada, cada quilômetro de rio preservado, cada comunidade respeitada seja um tributo vivo à vida que Jane dedicou a defender. Que o cuidado se torne cultural, que a empatia seja expressão diária, que a ciência e o afecto caminhem juntos.
A lembrança de Jane Goodall não deve pesar como saudade passiva, mas como inspiração pulsante. Ela plantou raízes profundas em terra firme e agora somos nós que devemos regar esses brotos, para que floresçam em muitos jardins, em muitas regiões, por muitos anos. Porque a natureza merece, porque os seres humanos merecem, e porque o planeta precisa.

Duas mulheres sempre me inspiraram nas minhas lutas ambientais: a Dian Fossey (primatologista que teve acompanhamento da Jane) e a própria Jane Goodall, a quem eu tinha enviado um pedido de entrevista, através do website do seu instituto. Infelizmente os rumos da vida deram-nos o golpe, antes que tal conversa fosse possível.
Uma eterna vénia ao trabalho da Jane – por quem sempre nutri um respeito ambiental.
Texto: Sérgio dos Céus Nelson – Ambientalista e Fundador da AJADH.